Lutas, combates, MMA e os clubes de futebol brasileiros: a triste e violenta história de quando os dirigentes se curvam ao marketing que topa tudo por dinheiro

Fernando Henrique Blumentritt de Lemos
Guilherme Dutra Antunes
Lucas Barreto Klein
Lucas Matos Mendonça
 Paulo Ricardo do Canto Capela

O presente texto é uma reflexão quanto à relação do universo das lutas desportivizadas com o do futebol empresa que começa a ser hegemônico em relação à tradicional cultura dos clubes associativos de futebol brasileiro, ou seja, cada vez mais os clubes associativos de futebol passam a ser vistos como ambiente de negócios, muito por conta da chegada da era dos mega-eventos esportivos no Brasil, cuja lógica traz uma nova onda de colonização cultural sobre nossas culturas mais significativas, no caso em tela do futebol culturalmente existente e da cultura das lutas e artes marciais.
O que temos visto com a incorporação do MMA (Mixed Marcial Arts – Mix de Artes Marciais) ao “pacote de marketing” dos clubes de futebol do Brasil é fruto da ganância dos clubes em produzir receitas para a “indústria do futebol”. Nos combates promovidos no MMA as lutas apresentam-se sob sua forma desportivizada e descoladas de suas origens enquanto práticas culturais e filosóficas. Nas elaborações teórico-conceituais do GECUPOM/Futebol as lutas enquanto práticas corporais e fenômenos sociais se diferem dos combates.
Para os membros do GECUPOM/Futebol o termo luta é um vocábulo que nos remete ao tipo de ação que os seres humanos empreendem em suas vidas próprias e coletivas para superarem-se a si próprios em suas existências, visto que só cada um é capaz de perceber o quanto está realizando esforços pessoais (lutando) para melhorar-se em função do que se determinou a ser no mundo, em conformidade com suas programações existenciais (realidades de vida). Da mesma forma também nos movimento sociais, o termo luta pressupõe ações de mobilização de coletivos sociais para combater as injustiças praticadas pelos “donos do poder” sobre os despossuídos do mundo. Portanto a luta enquanto categoria antropológica dos movimentos sociais significa a organização social popular para reivindicar e conquistar direitos roubados pelos que defendem os interesses do capital (banqueiros inescrupulosos, políticos, juristas, latifundiários, etc.).
Portanto a essência do conceito de lutas nos indica ações, individuais e coletivas, para o auto-aprimoramento, a promoção da justiça social, ou simplesmente para resistir aos processos de opressão, ou seja, as lutas são ações de libertação e emancipação humana, o que não é o caso de como a luta se apresenta no MMA, ou seja, enquanto combate.
O termo combate para nós do GECUPOM/Futebol indica uma postura de confronto com e por fins menores, é um termo muito utilizado na cultura militar para referir-se a ações bélicas, principalmente para promover a repressão e a violência física ou simbólica contra civis, movimentos sociais e países cujas culturas não se alinham aos interesses econômicos mundiais hegemônicos, portanto, combate diz mais das ações de grupos de poderosos com o fim de imporem seus interesses sobre os demais contextos multiculturais existentes, do que da emancipação humana.
Postas essas considerações, nosso grupo entende que não é possível não deixar de posicionar-se, enquanto um grupo de estudos da cultura popular e do futebol, quanto à nova modalidade de programação que está sendo introduzida no Brasil através do MMA em articulação com alguns clubes de futebol do país.
       Em nosso Grupo temos o entendimento de que os tradicionais clubes associativos populares de futebol do Brasil em seus processos de transformarem-se em clubes empresas vêm perdendo o endereço da história, em muitos deles o lucro e os negócios sobrepujam os interesses mais nobres que inspiraram suas criações.
Seria inimaginável há alguns anos atrás, por exemplo, propor a um dirigente de clube de futebol associativo de nosso país, e ele aceitar, que seus símbolos servissem para a disseminação de eventos que promovessem a violência física e o espancamento explícito de seres humanos sobre o delírio de platéias masoquistas que nem mais se sensibilizam com as implicações do que “assistem”, apenas extasiam-se com o sangue e a tortura imposta pelo “combatente” por quem “torcem” sobre seu adversário.
O MMA promove em escala global um ritual de masoquismo coletivo, infinitamente mais dramático do que os protagonizados pelos gladiadores na pré-história da humanidade, visto o grau de esclarecimento que hoje temos, é um espetáculo tão deplorável quanto às rinhas de galos, evento considerado inadmissível em nosso país por submeter animais a crueldades de espancarem-se até quase a morte (como nos combates de MMA).
Temos presenciado de forma passiva como alguns dirigentes de clube de futebol são capazes de abandonar princípios éticos, humanitários e os próprios princípios culturais do país em nome de mais dinheiro para suas contas, de seus clubes empresas, e o pior, tudo isso sendo orquestrado por empresários inescrupulosos, entre eles Ronaldo “Fenômeno”, ex- jogador de futebol da seleção brasileira e de clubes de futebol populares de nosso país e no exterior, ele, hoje um empresário do marketing esportivo, cuja fama de atleta utiliza para promover sobre si mesmo um verdadeiro suicídio de classe, ao juntar- se com empresas e dirigentes de clubes, num “topa tudo por dinheiro” que o coloca distante das classes populares de onde veio.
Os clubes de futebol e o ex-jogador de futebol Ronaldo “Fenômeno” poderiam utilizar toda a legitimidade popular de que são portadores para causas mais nobres, por exemplo, em prol de promoverem a educação cultural e esportiva para a paz às populações dos clubes de futebol do país. Porém Ronaldinho e alguns dirigentes de clubes têm preferido os caminhos do lucro e do “topar tudo por dinheiro”, assim é que, por “suas mãos” chegam aos clubes de futebol e à sociedade brasileira os espetáculos de violência explicitas do MMA, que em nada condizem com nossa cultura nacional, ou com a boa educação esportiva que preconizamos para as novas gerações quando o tema é luta enquanto prática corporal ou ação na sociedade.
Há tempos atrás os dirigentes de clubes de futebol e seus ídolos (ex-atletas) sabiam que estavam não só administrando “a imagem de seus clubes”, seu patrimônio físico e seus ativos financeiros, mas também e acima de tudo seus símbolos, valores e princípios éticos mais nobres, princípios advindos das mais elevadas tradições culturais, as quais animaram seus fundadores, ex-jogadores e ídolos, valores que eles gostariam de ver perpetuados nas novas gerações: alegria, associativismo, festa, solidariedade, dignidade, cultura de paz, respeito à vida.
Os bons presidentes dos clubes associativos sabiam que precisavam muito mais do que vender produtos utilizando a imagem construída pela história do clube, sabiam que precisavam zelar pela educação cultural, esportiva e a tradição dos seus clubes, eles não “topavam tudo por dinheiro”.
Fidelizar novos e jovens torcedores tinham outro significado para aqueles dirigentes do passado. Não se objetivava que os clubes tivessem apenas mais sócios, mais consumidores de violências, ou apenas mais massas humanas alienadas para consumir produtos dos clubes. Os bons dirigentes estavam muito atentos para a celebração da vida, não atentavam intencionalmente em seus atos administrativos contra a vida. Essa histórica lição tem sido esquecida por alguns novos dirigentes, ex-atletas, pais, dirigentes de Estado e os jovens que se organizam em tornos dos novos clubes de futebol empresa do Brasil. Já não são mais clubes recreativos e nem são mais associativos os princípios que os movem, são muito mais empresas anti-vida e lucrativas apenas!
É possível que os departamentos de marketing dos clubes de futebol brasileiro (a-históricos) tenham convencido dirigentes a celebrarem contratos de seus clubes com os promotores do MMA, como já afirmamos modalidade degenerada das lutas, cujo teor é o de promover combates entre seres humanos com muitos lances de violência e lesões, inclusive, com muitos episódios de sangramentos e que mesmo assim são capazes de despertar, segundo alguns estudos de psicologia de massa, sensações muito primitivas, e acreditem se quiser, gera um prazer masoquista em quem assiste a esses combates, garantindo, com esse mecanismo de psicologia de massa, audiência, e, portanto, através da degeneração da essência da vida, o lucro para seus promotores (empresários, clubes de futebol e a grande mídia).
O triste para nós brasileiros que amamos o futebol é que os mesmos dirigentes que promovem em seus clubes eventos de violência como o MMA, contraditória e sinicamente, são, muitas das vezes, os mesmo que comparecem, sem nenhum constrangimento e com a mesma cara de pau, com a legitimidade que lhes damos através de seus cargos de dirigentes de nossos clubes de futebol, em reuniões com o Ministério Público, ou em programas da mídia, exigindo o fim da violência na sociedade, entre atletas de futebol, torcedores e torcidas organizadas.
       E o fato mais triste ainda para nós é ver que Ronaldo “Fenômeno”, um grande ídolo do futebol brasileiro e mundial, após ter encerrado sua carreira de grande atleta nos campos de futebol e na seleção nacional, hoje opta em prosseguir sendo notícia (prosseguir enriquecendo) através da promoção cultural no cenário brasileiro de inúmeras violências, pois é por sua intermediação, juntamente com alguns dirigentes de clubes de futebol da primeira divisão do Brasil e a mídia oficial que o MMA chega ao país. Ronaldinho é hoje muito mais que um grande ex-atleta, ele é um instrumento ideológico que opera na lógica anti-vida, opera na lógica do mercado global das indústrias transnacionais do esporte, ambos operam contra a sociedade, são instrumentos anti-populares. Ele está tristemente destruindo com seus atos de ganância, tudo aquilo que seu corpo tanto se sacrificou para nos deixar de expressão de alegria como legado ao povo brasileiro.
Chegamos a pensar que suas ações de empresário da violência do MMA é uma forma de vingar-se pelas inúmeras violências que o esporte produziu em seu corpo, é uma burra vingança pelo futebol ter lhe roubado a sua maior alegria, apenas jogar o futebol de forma lúdica e associativa como nos bons tempos do futebol dos clubes associativos brasileiros.           

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

GRUPO DE ESTUDOS EM CULTURA POPULAR DE MOVIMENTO/FUTEBOL (GECUPOM/FUTEBOL)

FLORIANÓPOLIS, OUTUBRO DE 2011

Nenhum comentário:

Postar um comentário