Futebol e ciência: a necessidade de um novo sentido e de um novo significado. - Parte 1


Em pleno século XXI, temos ainda uma imobilidade em entender o ser humano como um Ser plural e uno ao mesmo tempo, ou seja, um ser social, cultural, e biológico. Diferentemente da máquina, o ser humano é provido de sentidos e significados, marcas e registros que trazem em si um forte entrelaçamento entre natureza e cultura. Nosso corpo traz em si memórias de uma natureza mais primitiva, e de uma cultura mais contemporânea, impossíveis de serem pensadas na mais moderna máquina, simplesmente porque estas memórias estão nas expressões dos sentidos, das emoções, e no próprio corpo.
Se estamos diante de novos paradigmas científicos, principalmente os da física moderna (física quântica e teoria da relatividade) que apontam para a superação da matéria inerte unicamente sólida, movimentada por uma ordem superior, se percebemos os novos paradigmas que colocam o ser humano como um Ser holístico em perfeita integração e harmonia com o seu meio, com o planeta e consigo mesmo, se não nos é mais concebível a idéia de um corpo/máquina, precisamos também de alguma maneira romper com os conceitos e palavras que explicam e legitimam uma antiga visão de mundo.
Ao observarmos com atenção como o contexto social moderno se desenvolve, perceberemos que dentre os vários “pilares de sustentação”, um dos mais consistentes é o da racionalidade científica. A ciência (e a técnica por meio desta) nos últimos anos passou a ser a condutora do pensamento moderno. Mas ao falarmos de “ciência”, não falamos de qualquer ciência, mas de um modelo cientifico que quantifica, esquadrinha, determina, que tem nos números o pressuposto único de verdade. Esse modelo de ciência, são as ciências da natureza, ou ciências naturais.
Neste modelo, dois momentos são interessantes mencionar. O primeiro é o procedimento cientifico, ou seja, a forma com que a ciência “(des) cobre” seu objeto de pesquisa. O segundo, é a maneira como esta mesma ciência interpreta o universo e os seres humanos. Ambas as formas refletirão sobre a maneira de como a sociedade moderna ocidental perceberá questões como política, natureza, ecologia, esporte, corpo, saúde, etc.

Futebol e ciência: a necessidade de um novo sentido e de um novo significado. - Parte 2


No primeiro momento, entendemos que talvez nenhum outro procedimento cientifico tenha trazido tanta contribuição na forma de pensar nos últimos anos do que a teoria cartesiana e a física clássica (representada por Galileu, Copérnico e Newton). A divisão cartesiana permitiu aos cientistas ver o mundo material como algo morto, separado inteiramente de si mesmo, entendendo este como uma grande máquina de grandes proporções.
A ciência moderna traz consigo um modelo de pensamento onde só é possível compreender o mundo a partir de sua dominação. Para esta ciência, o conhecimento é sinônimo de domínio, o domínio do “desconhecido”, do alheio, do “outro”, e se é necessário dominar, a primeira condição é afastar. A relação sujeito-objeto nos moldes científicos torna-se então uma dupla relação; a primeira de afastamento, e a segunda de dominação.
Dominar a natureza (entendida como objeto) nos moldes científicos impõe ao sujeito/ou seres humanos, uma dura realidade; a dominação de si próprio. Pois se somos parte da natureza, ou somos ela própria, não há domínio da primeira sem acontecer o domínio do segundo. O domínio do sujeito moderno recai então sobre si mesmo, sobre seu corpo, e na forma dialética, sobre a natureza novamente.
Talvez seja justamente no esporte uma das melhores expressões da filosofia cartesiana, e da física clássica. Tenho dúvidas sobre qual outro contexto, o domínio do corpo aparece de forma tão extremada. È justamente no esporte que o modelo de ciência que acima menciono, transparece da melhor forma.
No segundo momento está presente fortemente a idéia do mundo como uma grande máquina, funcionando a partir de operações matemáticas previsíveis. No ideal cartesiano, o mundo material está longe da vida ou espiritualidade.
A idéia de um corpo funcionando tal como uma máquina é a estratificação do pensamento de um mundo e sistema social também funcionando como uma grande máquina, onde o todo é representado pela justaposição de suas partes. O corpo cartesiano era apenas o somatório de peças funcionando de formas isoladas a garantir o funcionamento deste todo.
Esse corpo máquina era desprovido de sentidos e significados, apenas “peças” em justaposição, o que no pensamento moderno o desgaste de uma delas pode ser trocado por outra de mesma forma e função, continuando o mesmo a funcionar até o seu “desgaste” total.  
Qual a reflexão que trazemos disto para nosso contexto, ou seja, para o entendimento do esporte? Na lógica do esporte moderno, o corpo só deve operar sob o rendimento máximo, para isto o trato dado ao corpo (ao meu e dos outros) passa a ser ao de uma máquina que deve funcionar sob quaisquer circunstâncias. À maquina não importa o sentido nem o significado do movimento, mas só o movimento por si próprio, para isto uma boa técnica é o necessário. Tão pouco a máquina tem sentimentos (alegrias, prazeres, angustias, medos e dores), pois como tal está alheia a tudo isto.
Autor: Prof. Julio Couto


Departamento Técnico Científico: algumas concepções.


O futebol no Brasil percorre um longo caminho, que inicia mais precisamente no inicio do século passado até o futebol atual que todos nós conhecemos. Este cenário começa com o futebol praticado pela elite social do inicio do século, até o futebol disseminado e popularizado pelas classes sociais no País. O futebol transita do clube associativo ao futebol empresa, da lei do passe à lei Pelé, do futebol arte ao futebol de alto-rendimento, do torcedor da arquibancada ao consumidor do espetáculo, do futebol empírico ao futebol científico.
Estas mudanças estruturais e culturais do futebol neste cenário, exigiram dos clubes brasileiros uma re-adaptação as suas antigas formas de administrar e gerenciar o futebol, tornando-se agora parte de um processo de elevada exigência qualitativa, o que de uma certa forma, terá de expressar-se em resultados competitivos.
Vários clubes brasileiros “largaram” na frente nesta busca da excelência qualitativa do futebol, re-organizaram seus departamentos de futebol, traçaram projetos, qualificaram profissionais, montaram seus planejamentos estratégicos (até então conceito exclusivo da esfera empresarial), e investiram em ciência e tecnologia.
Dois clubes no cenário nacional podem ser considerados como referências para estas mudanças, um deles é o Clube Atlético Paranaense, campeão brasileiro em 2001, clube que investiu forte na construção de um Departamento Técnico Científico no clube, na época, coordenado pelo Prof. Dr. Antonio Carlos Gomes. Outro clube brasileiro que investiu na criação deste departamento com uma concepção semelhante foi o Sport Club Internacional, sagrando-se campeão mundial em 2006, projeto iniciado alguns anos antes na coordenação do Prof. João Paulo Medina.
Atualmente vários clubes no cenário nacional, começaram este momento de transição, visto que, o Departamento Técnico Científico num clube de futebol, é um Departamento responsável pela cientificidade e pela relação multidisciplinar e interdisciplinar das diversas áreas de conhecimento que necessariamente devem compor atualmente uma equipe de trabalho no futebol profissional.
O que seria então um departamento Técnico Científico?  
- Departamento técnico científico, é o departamento dentro da estrutura do futebol responsável pela implantação da ciência e re-organização cultural no âmbito do planejamento global e no âmbito da qualificação desportiva.
- O Departamento Técnico Cientifico é um departamento que trabalha com projetos à curto, médio e a longo prazo, e com isto, deverá estar ligado a estrutura organizacional do clube para garantia de sua viabilidade, portanto, um departamento de confiança do clube, independente de resultados imediatos.
Quais seriam os objetivos deste Departamento?
Entre os mais variados objetivos, citamos alguns:
- Criação e estruturação de departamentos multidisciplinares dentro do clube (Depto. de fisiologia, Depto. de preparação física, Depto. de nutrição, Depto. médico, Depto. de psicologia, Depto. de assistência social, Depto. de Informática). Interligação com todos estes departamentos.
- Estruturação de áreas físicas do clube (manutenção e reforma das já existentes, e se necessário, criação de novas áreas).
- Criação e implantação de projetos de modernização do planejamento desportivo do clube (centro informatizado, planilhas de treinos, planilhas de controle, planilhas de avaliação, banco de dados e softwares).
- Intercambio com as Universidades locais, na busca de desenvolvimento científico para o clube.
- Construção de uma proposta metodológica de Planejamento Desportivo embasado numa concepção cientifica, de acordo com a filosofia desse departamento.
- Construção e planejamento do calendário desportivo em consonância com as áreas interdisciplinares do clube.
Para que este novo processo proposto possa se desenvolver adequadamente é indispensável que existam alguns pré-requisitos que viabilizem um trabalho desta natureza:
1)           Pré-disposição do clube na realização do projeto.
2)           Maior investimento financeiro, levado pela necessidade de uma estrutura maior, de uma qualificação tecnológica, e de investimento em profissionais qualificados.
3)           Tranqüilidade e paciência de não cair na falsa armadilha dos resultados imediatos
4)           Entendimento de um processo que sua sedimentação se dará a curto, médio e longo prazo.
Em nosso último clube, o Departamento Técnico científico na sua forma geral se expressou da seguinte maneira:
1)           Interlocução entre o departamento de fisiologia do clube, a comissão técnica, o departamento de nutrição e o departamento médico, através de reuniões periódicas, controles sistemáticos, trocas de informações e seminários de estudos.
2)           Criação do Grupo de Estudos Temáticos.
3)           Controle periódico de cada atleta e de seus treinamentos.
4)           Controle sistemático das atividades diárias desenvolvidas.
5)           Avaliação periódica do nível de performance dos atletas, através de testes e avaliações em consonância com o departamento de fisiologia e de preparação física.
6)           Controle nutricional de cada atleta em particular, de acordo com suas necessidades e objetivos a serem alcançados, em consonância com o departamento de nutrição.
7)           Interlocução periódica com o Departamento médico e fisioterapia e comissão técnica, objetivando atenção máxima aos atletas lesionados, observando seus limites e suas possibilidades de treinamento. 
8)           Construção de grupos especiais de treinamento.

Palestra no lançamento do livro - parte 1

Segue na integra a palestra feita pelo Prof. Paulo Capela na Universidad Andina Simón Bolívar no lançamento do livro "Ensaios Alternativos Latino-Americanos de Educação Física, Esporte e Saúde", com organização do Prof. Edgard Matiello Junior, Prof. Jaime Breilh e do próprio Capela.
 
               Há uma frase histórica do poeta português Fernando Pessoa que penso se prestar para introduzir nosso diálogo, ele dizia: “Cultura primeiro a gente estranha depois a gente entranha”, pois bem, quando o tema é esporte existe uma cultura já dada, a qual já não se ousa fazer perguntas originais, não se estranha nada que orbite em seu entorno, parece que o mundo esportivo que chega em nossas casas todos os dias não carece de reflexão, esclarecimentos, estranhamentos, críticas, ou ainda, o esporte de outras formas originais de ser praticado.
                Quando muito, por exemplo, em meu campo, a Educação Física, as novidades nos esportes são: as trocas de regras; os novos métodos de treinamento; os novos equipamentos; os novos suplementos alimentares capazes de aumentar as performances;  ou novas tecnologias que permitiram um melhor controle dos dados e assim melhoras de rendimento, e novas esperanças de mais êxito, e mais, mais, mais rendimento.
                Nosso livro é um livro que não se filia aos conceitos tradicionais dos esportes e nem as tradicionais “novidades do esporte”.
                É uma obra que foi escrita para produzir estranhamentos sobre a cultura do senso comum das verdades consideradas como única do mundo esportivo.
                Para nós o esporte é uma construção humana social, com autores e atores dos quais conhecemos muito pouco. Do esporte conhecemos, muitas das vezes, apenas alguns atletas e dirigentes, que quando se pronunciam publicamente estão, muita das vezes, encenando scripts muito bem escritos por seus assessores de imprensa, ou patrocinadores.
                Em nosso livro, revisitamos os bastidores e a própria cultura esportiva dada. Como pesquisadores  desvelamos muitos fatos que não são de domínio comum.
                Nesta Obra mostramos com dados que o esporte é um grande negócio; que é uma prática anti-vida, portanto, deterioradora da saúde das pessoas e dos atletas, tanto os atletas de alto-rendimento, quanto os demais praticantes de diferentes níveis intermediários entre  o alto rendimento e os que não praticam esportes porque aprenderam a não gostar dele.
                Apontamos nesta obra que, se não mudarmos sua estrutura, ele, o esporte, não será capaz de cumprir grande parte de suas promessas. Promessas, muitas delas, feitas por autoridades públicas e dirigentes esportivos, expressas concretamente em programas governamentais e clubísticos, ou feitas e contidas por quem deveria zelar por esclarecer as novas gerações sobre os fatos dos esportes, os professores de Educação Física das escolas.
                Nós, os autores deste livro, mesmo reconhecendo que o esporte é o principal fenômeno de massa da humanidade,  entendemos também que ainda não possui em igual escala reflexões e pesquisas capazes de produzir  estranhamentos sobre ele, principalmente nos países da América Latina, isto nos estimulou muito a escrever este livro! 
                Ainda não há estudos suficientes produzidos em nossos países capazes de duvidar das promessas feitas no esporte de que, por exemplo: esporte é sinônimo de saúde; de que o esporte promove integração entre os povos; de que o esporte combate a marginalidade e as drogas, enfim, poucas vezes se questiona o alcance destas promessas, de seus fatos, da cultura que gera e de  como ela vem sendo constituída em suas relações de poder.

Parte 2


               Fernando Pessoa diria que está entranhada, em grande parte da humanidade, uma única cultura esportiva como se fosse absoluta, o que não é verdade!
                O esporte é uma construção humana que, se foi construída de determinada forma, pode ser desconstruída  e construída de outra forma. O esporte pode ser desconstruído em seus valores anti-vida e reconstruído sobre outras bases culturas e de valores.  
                A função maior dessa obra é estimular aos que trabalham, praticam, e promovem o  esporte, a pensarem que outro mundo esportivo é possível, um esporte com outros objetivos e outros valores. É preciso dizer que em muitos lugares do mundo o esporte já é assim, é preciso dizer que em muitos lugares do mundo o esporte já foi assim: teve outros valores e forma de ser praticado.
                O esporte possui uma história, antes de ser o que é hoje todos os esportes já foram: práticas populares, esporte amador, a mais bela expressão da superação humana sobre si mesmo. Hoje é um grande negócio que aliena e deteriora a vida dos trabalhadores.
                Finalizando, diria que, se Fernando pessoa estava correto ao dizer que cultura, primeiro a gente estranha, depois a gente entranha, espero, sinceramente, que em curto espaço de tempo, não se ache mais estranho falar sobre os efeito nocivos e anti-vida de certa práticas esportivas, que não se estranhe mais que tenham muitas pessoas honestas dirigindo  o esporte mundial, e, finalmente que não se ache estranho quando a forma de fazer esporte que defendemos mobilize tantas pessoas quanto mobiliza hoje os esportes tradicionais, que o mundo todo pare como é hoje, uns para assistir na televisão e a grande maioria para participar de Olimpíadas dos esportes transformados na ótica da fraternidade, solidariedade e verdadeira união dos povos, neste dia, que espero ainda estar vivo para ver, nos orgulharemos, todos nós autores e apoiadores deste livro por termos sido uma pequeninha parte deste processo, um processo de construção de um mundo melhor, mais justo, alegre,  com muita saúde (vida) para todos.  Muito obrigado!     



DIARIO DE VIAGEM

Nosso amigo e coordenador do GECUPOM,  Prof. Paulo Capela, continua sua viagem com o objetivo de integrar e disseminar os estudos e trabalhos realizados com o VITRAL Latino-Americano de Educação Física, Esportes e Saúde. Capela em sua viagem, tem se encontrado com grandes nomes da Educação Física e dos Esportes no cenário da America Latina, inclusive tendo esta semana o lançamento do livro(como segue abaixo) no cenario nacional Equatoriano. Próxima escala será na Argentina. Segue abaixo seu e.mail para nós:


“Hoje pela manhã, mantive contato com o jogador de futebol zagueiro equatoriano Ulisses de La Cruz, por intermediação do Prof. Jaime Breilh. Ulisses é um dos mais importantes jogadores do país, ele irá compor a mesa de lançamento de nosso livro “Ensaios Alternativos Latino-americanos de Educação Física, Esportes e Saúde”, juntamente com um sociólogo e um jornalista desportivo local.

Ele já está com nosso livro, é um jogador muito inteligente, articulado para falar e esclarecido, já jogou nos principais clubes aqui do país, no Cruzeiro de Minas e em clubes da Europa (Inglaterra). Tivemos um diálogo muito interessante. Ele possui uma visão muito esclarecida sobre o mundo de poder que circunda os clubes da América Latina, disse que o futebol jogado na Inglaterra é mas rápido e honesto que o jogado na América; aqui os juizes são mais complacentes com as sucessivas interrupções do jogo que acabam prejudicando o espetáculo e as equipes que trabalham mais. Enfim, boas idéias vindas de um atleta ainda em atividade. 

Depois almocei com o Breilh e tratamos de alguns pontos de nossa pauta.
Quanto á tradução do nosso livro, sugeri que fizéssemos uma primeira tradução com acadêmicos aí no Brasil, e ele faria a revisão aqui, ele iria estudar a viabilidade. Disse que é viável uma ida dele a Florianópolis, pensamos em Março, Abril ou Maio. Ele também colocou como exigência só poder permanecer no Brasil no máximo uma semana (poderia trabalhar em um curso). Era isto.
Abraços, Capela!”