Manaus - Carente de craques, grandes times e torcedores, o futebol brasileiro já era alvo de questionamentos da imprensa e dos próprios atletas há alguns anos, mas a impressionante eliminação para a Alemanha na Copa do Mundo em casa trouxe à tona, de uma vez por todas, a discussão sobre a necessidade de renovação na gestão de clubes e entidades esportivas.
Mais antigos do País, os presidentes das federações de futebol do Norte, porém, não concordam. Com críticas exclusivas ao time de Felipão e até ao movimento Bom Senso FC, eles defendem a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e alegam que os problemas do principal esporte na região se resumem a falta de dinheiro.
Desde 2007 sem nenhum clube na Série A do Campeonato Brasileiro, a Região Norte, hoje, tem apenas dois times na Série C e o restante com vagas diretas na quarta e última divisão nacional, através dos estaduais.
Último campeão de um torneio nacional, o São Raimundo-PA, vencedor da Série D de 2009, hoje está na segunda divisão paraense. Acompanhando toda essa decadência, cada um dos sete Estados do Norte já contava com o mesmo dirigente no futebol há pelo menos 15 anos. Se somados os anos de cada um no cargo, são 182 temporadas de gestão.
Responsável por 40 anos nessa soma, José Gama Xaud, 69, em Roraima, é o presidente de federação estadual mais antigo do Brasil. Para ele, o futebol brasileiro não precisa ser repensado. Apenas a Seleção. “Esse negócio de mudança não existe. O que faltou foi meio-campo na Seleção. O que tem que existir é um técnico que pegue os valores que temos e forme um time forte. Não vejo (os 7 a 1 para a Alemanha) como uma derrota generalizada”, avaliou.
Zeca Xaud, como é mais conhecido em Roraima, diz que o longo período no cargo não é por resistência, mas sim por falta de “candidatos preparados”, na avaliação dele. “Nunca me candidatei. Se aparecesse alguém para assumir, eu passaria (o cargo), mas aparecem pessoas que me parecem não estar interessadas em futebol. Estão interessadas em assumir o cargo”, declarou.
Como justificativa para a inércia do futebol roraimense, Zaud argumenta que a falta de dinheiro não permite avanços e defende a descentralização do futebol brasileiro como solução. “Tem que dividir grandes federações de pequenas federações. Há normas que servem para eles (dirigentes do Sul e Sudeste), mas não para a gente. O pessoal acha que federação não presta, que a CBF não presta, mas não é nada disso. Uns tem condições, outros não”, analisou.
No futebol rondoniense a situação não é muito diferente de Roraima, mas tem um agravante: desde 2009 disputando somente a Série D, o Estado teve desistentes em quatro das cinco ocasiões em que participou da competição, com clubes alegando falta de verba e estrutura. Mesmo com esse cenário, o presidente da Federação de Futebol do Estado de Rondônia (FFER), Heitor Costa, que está há 25 anos no cargo, considera que o futebol local está em um bom momento.
“Quando o Brasil perde de sete, as pessoas falam que querem mudança, mas nós estamos na Copa Verde, estamos na Série D. Para mim está tudo tranquilo. O futebol do Norte está se organizando. Passamos dificuldades, mas estamos em grandes competições, então o momento do futebol no Brasil está bem, está tranquilo. Essa derrota... a Espanha apanhou de 5, então isso não abala”, comparou Costa, minimizando a discussão de renovação do futebol com o fracasso da Seleção.
Deputado federal por Tocantins e presidente da Federação Tocantinense de Futebol (FTF) desde 1991, Leomar Quintalha disse que encarou com surpresa a queda da Seleção Brasileira, encheu a CBF de elogios e defendeu renovação apenas no quadro de jogadores, propondo mudanças nas categorias de base. “Acho que a CBF não errou. Foram contratados dois dos melhores técnicos, escolheram os melhores profissionais e deram as melhores condições. A derrota (7 a 1) foi uma surpresa muito grande, que nos deixou lições de que a filosofia tem que ser mais longa, com investimento na base”, disse.
Presidente da Federação de Futebol do Acre (Ffac) há 30 anos, Antonio Aquino diz que o discurso de mudança no futebol brasileiro só existe em “segmentos da imprensa”. “Todo mundo fala, mas ninguém apresenta solução”, disse.
“Financeiramente só os cubes que conseguem sucesso são os que têm contrato com a TV, então fica difícil os clubes sobreviverem dentro do necessário”, resume.
Escândalos no currículo de dirigentes
Fundamentais na escolha do líder da CBF, os presidentes das federações estaduais recebem cota de R$ 100 mil mensais da entidade máxima do futebol brasileiro desde outubro do ano passado. O valor, que é destinado para a gestão do futebol nas respectivas regiões, teve um reajuste de 100%. Além desse aumento generoso, os dirigentes também gozam de privilégios, como chefiar a delegação brasileira em amistosos Brasil afora.
A CBF também se mostra flexível quanto a ausência desses cartolas no cargo. Isso porque boa parte deles ocupam outros cargos em paralelo ao comando do futebol em cada Estado. Na Região Norte, em particular, não faltaram conciliações com cargos políticos ao longo dos últimos 20 anos, pelo menos.
Leomar Quintanilha, por exemplo, é ex-senador e atualmente deputado federal de Tocantins. Heitor Costa, odontólogo, foi deputado estadual em Rondônia.
Leomar Quintanilha, por exemplo, é ex-senador e atualmente deputado federal de Tocantins. Heitor Costa, odontólogo, foi deputado estadual em Rondônia.
Roberto Góes, presidente da Federação Amapaense de Futebol, já foi vereador e prefeito de Macapá e também chefiou a delegação da Seleção Brasileira em duas edições da Copa América (2004 e 2007). Dissica Valério, do Amazonas, foi prefeito do município de Eirunepé (a 1.160 quilômetros a sudoeste de Manaus).
Em meio a esses cargos políticos, a maioria desses dirigentes leva no currículo algum envolvimento com escândalos ou reprovação na prestação de contas do período da gestão. Góes, por exemplo, recebeu um mandado de condução coercitiva na operação ‘Mãos Limpas’ da Polícia Federal em 2010, resultado de investigações de desvio de verbas públicas no valor de R$ 1 bilhão no Governo do Amapá. A reportagem tentou contato com ele por meio do telefone da Federação Amapaense de Futebol, mas ele nunca estava no local. Da mesma forma ocorreu com o dirigente máximo do Pará, Antonio Carlos Nunes de Lima, o coronel Nunes.
Dissica critica técnicos
Alvo de vaias da torcida quando aparece em alguns jogos e muito criticado pelo técnico Aderbal Lana, o mais experiente na região, o presidente da Federação Amazonense de Futebol (FAF), Dissica Valério Tomaz, defende que os técnicos da atualidade são os principais responsáveis pelo mau momento. Um dos dirigentes mais próximos do presidente eleito da CBF neste ano, Marco Polo Del Nero, ele revelou que deu até conselhos ao líder.
“Eu conversei com o Del Nero e disse que esses técnicos do nosso País já deram o que tinham que dar. Acho que isso tem que ser mudado, tem que dar oportunidade a novos treinadores, sem vícios, sem nada. Uma pessoa que esteja focada a colocar os melhores talentos que o futebol brasileiro tem”, disse o dirigente.
Há 25 anos no comando da FAF, Dissica pretende concorrer a uma nova reeleição neste ano. Ele revelou, em entrevista concedida ao Portal D24AM, divulgada no dia 12 de janeiro deste ano, que tem disposição “até para correr maratona”. “Mais um mandato não é problema. Quem quiser ser candidato tem que pensar nisso agora, mas precisa ser melhor do que eu”, declarou na época.
Baseado em uma proposta do presidente do Rio Negro, Thales Verçosa, o presidente da FAF tem como plano reunir os clubes, diferentes órgãos e a imprensa em um seminário para discutir os problemas do futebol amazonense. Ele disse, na última sexta-feira, que os convites já foram enviados, mas a reunião ainda não tem data para acontecer.
Disponível em http://new.d24am.com/esportes/futebol/federacoes-norte-reproduzem-inercia/116664. Acesso em 29 de julho de 2014.
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