Paulo André Cren Benini*
Se dissermos que o jogo de futebol se divide em três princípios básicos e deles, todas as variações são possíveis, eu diria que:
tecnicamente sempre fomos muito superiores a qualquer outra nação;
fisicamente, em algum período, chegamos a ser inferiores;
e taticamente sempre sofremos com a falta de disciplina
na aplicação da estratégia porque éramos tão melhores jogadores de bola
que sempre achamos um jeito de vencer nossos rivais.
Assim sendo, inicialmente decidimos resolver a discrepância física e
incrementamos toda a cientificidade oferecida pelos melhores estudos e
artigos já produzidos para construirmos o atleta ideal. O intuito era
nos equipararmos aos europeus e para isso, quebramos inúmeras barreiras
culturais introduzindo a musculação e os treinos físicos específicos
para jogadores de futebol.
Durante anos os especialistas na área tinham vontade de vomitar ao
escutar dirigentes, treinadores e comentaristas dizendo que a musculação
deixaria o jogador travado. De qualquer forma e com certa demora,
evoluímos muito na qualidade dos treinos físicos e permitimos que a
ciência entrasse no futebol brasileiro.
Até aí, tudo bem.
Conseguimos igualar a valência física e continuamos com a supremacia
técnica. Éramos então praticamente imbatíveis. Mas em algum momento da
história do futebol e da economia brasileira, os clubes se encontravam
em péssima condição financeira e não conseguiam gerar outro tipo de
renda que não com a venda de jogadores para o mercado europeu.
Demoramos muito para nos estruturarmos, explorarmos o marketing e a
paixão doentia do nosso torcedor, gerando receitas que, aliadas aos
direitos de TV, tornassem o clube auto-suficiente. Então, o único meio
de sobrevivência encontrado por dirigentes amadores e despreparados
naquela época era vender atletas à Europa para solver dívidas e
contratar medalhões, ganhando assim, o apoio popular.
Desde então, estamos produzindo jogadores para os europeus, buscando
selecioná-los e prepará-los de acordo com o perfil de jogo que facilita
essa negociação.
Pior que isso, o nosso erro foi acreditar que o atleta ideal era aquele
que existia na Europa. Boa estatura, forte, sem muita ginga (pois
futebol já não era mais brincadeira), disciplinado, com bom jogo aéreo e
o mais importante, com nome e sobrenome. Chegamos ao cúmulo de tirar
até os apelidos dos nossos meninos da base para que eles ficassem mais
vendáveis aos olhos e aos cofres do velho continente.
Em pleno século 20, ainda éramos colônia, explorados pelos europeus que
compravam barato e lucravam com o desempenho e as futuras transferências
daqueles “produtos” importados. Apesar disso, nós brasileiros estávamos
felizes e pensávamos que essa “facilidade” de achar matéria-prima
abundante e vendê-la para o além-mar era a salvação da lavoura. Não nos
preocupávamos com o êxodo de jogadores porque a renovação e o talento
eram tão naturais do nosso povo que a cada ano surgiam mais e mais
jogadores de qualidade. Se quiséssemos, montaríamos três ou quatro
seleções em condições de ganhar uma mesma Copa do Mundo.
Nesse período (e durante esse processo), ainda mantínhamos a supremacia
técnica e por isso demoramos anos para perceber que o jogo também
evoluiu. O futebol passou a ser estudado e analisado tanto quanto o
organismo humano ou a economia mundial. Também pudera, algo que gera
tantos bilhões de dólares e movimenta outros tantos bilhões de
torcedores ao redor do planeta não poderia ser deixado ao azar ou ao
talento nato de seus praticantes.
Então, enquanto nos dedicávamos aos treinos físicos – com tiros de
1000m, 300m etc… – os europeus faziam tudo dentro do campo, com a bola.
Trabalhos mais intensos e disputados, mini jogos que exploravam
especificamente um princípio de ataque ou de defesa, tudo inserido ao
jogo.
Cada treino tinha um objetivo e o sincronismo dos movimentos de pressão
ao adversário, de bloco alto (encurtar o campo), de trocas de passes
rápidas e com o menor número possível de toques na bola se tornaram
exigências do futebol contemporâneo.
A linha de 4 defensiva e a tentativa de roubar a bola no campo
adversário já eram praticadas muito antes de eu chegar à Europa em 2006.
Estamos em 2012 e no Brasil tem gente que ainda fala em ala, três
zagueiros e volante de contenção.
A falta de visão, de protecionismo, de estímulos para a manutenção de
talentos e de desenvolvimento do estilo brasileiro de se jogar futebol
se revela hoje, duas décadas depois, um grave problema.
Nos esquecemos de investir em planejamento, estruturação e,
principalmente, capacitação de profissionais para darmos sequência à
produção e consolidação da nossa hegemonia no futebol mundial.
Nos preocupamos em vender a nossa Seleção e esquecemos-nos de reinvestir o lucro nas futuras gerações.
Usamos os “produtos” produzidos e formados pelos nossos clubes, mas
esquecemos de retribuir o serviço com a criação de campeonatos mais
fortes e rentáveis, infra-estrutura de qualidade (estádios, gramados,
etc…) e capacitação de pessoas em todas as áreas do esporte brasileiro
(gestores, técnicos, preparadores físicos, scouts etc…).
Estamos atrasados.
Quase não temos cursos capacitantes que valham à pena.
O círculo do futebol brasileiro é restrito, fechado e avesso a novas ideias.
Quase não temos estudiosos do jogo, das variações táticas ou dos treinamentos específicos.
Nossa formação de base não ensina para o futebol atual, mas, sim, para o futebol de outrora.
Insistimos em coisas do arco da velha simplesmente porque a maioria dos
nossos ex-jogadores (atuais treinadores) não está preparada para formar
novos atletas.
Falta conhecimento e posteriormente a aplicação de ferramentas como a
teoria do jogo, a psicologia e a pedagogia aplicadas ao esporte para que
possamos sair do marasmo em que nos encontramos.
Precisamos abdicar de fórmulas que um dia deram certo e que se tornaram
tradicionais para chacoalhar os estaduais, as divisões inferiores e os
times “pequenos”, assim como um dia passamos do sistema de mata-mata
para pontos corridos, dando mais estabilidade financeira aos clubes e
atletas.
Talvez seja a hora de quebrarmos outros paradigmas.
Admitir que o modelo está ultrapassado e que precisamos mudar é o
primeiro passo. O problema é que poucas pessoas estão preocupadas com
isso. Na verdade poucos enxergam o atraso, só reclamam que a Seleção não
está bem.
Novos valores e estudiosos do jogo não conseguem se inserir no meio
porque não jogaram futebol e não tem a confiança do mercado. A categoria
de base da maioria dos clubes brasileiros está jogada ao Deus dará. Os
cargos dentro dos clubes, federações e confederações ainda são políticos
e não técnicos. Isso tem que mudar!
O Brasil se encontra em uma encruzilhada.
Na verdade, estamos parados diante dela há alguns anos, observando, com olhos fixos, a estrada que nos trouxe até aqui.
Ela é repleta de flores, encantos e conquistas. Revendo o trajeto, nos
apaixonamos pela construção da nossa história e temos a certeza e o
orgulho de saber que os melhores times e os maiores jogadores que o
planeta já viu foram brasileiros.
Enxergamos também que ganhamos, orgulhosa e merecidamente, o apelido de
“País do futebol”, o maior exportador de pé-de-obra que o mundo
conheceu.
Dominamos o futebol mundial e possuímos, por anos, estrelas em todos os
grandes campeonatos nacionais do velho continente. Todos tinham medo da
camisa amarela e os brasileiros, encantados, paravam para ver a seleção
canarinho jogar. Por tudo isso, passamos anos desfrutando da beleza do
nosso futebol e do avanço que tínhamos sobre os demais.
Acreditamos que tudo era possível ao país que tem no DNA de seu povo, o talento do futebol.
Hoje, olhando ao redor, mais próximos da encruzilhada, ainda pelo
caminho que construímos, vemos sonhos, delírios e extravagâncias que
desperdiçaram tempo e dinheiro e não se transformaram em nada. Um
período sonolento em que a falta de capacidade se justificou de inúmeras
formas, especialmente pelo passado esplendoroso que construímos.
Mas eis que recentemente, atônitos e ainda parados na estrada, fomos
despertados pelo barulho ruidoso dos motores espanhóis, holandeses e
alemães que passaram por nós sem pedir licença. Aceleraram em tamanha
velocidade que ainda não conseguimos reparar quais as novas peças da
engrenagem os fazem acelerar tão depressa.
E cá estamos nós, olhando fixamente para a encruzilhada buscando dicas de para onde seguir ou qual o melhor caminho a tomar...
*Nascido em 20 de agosto de 1983, Paulo André Cren Benini
iniciou sua carreira como infantil do São Paulo Futebol Clube, em
1998, onde permaneceu até 2001, conquistando dois títulos paulistas
de categoria de base (2000 e 2001). Em dezembro de 2001, foi
transferido para o Centro Sportivo Alagoano, ficando por apenas três
meses.
Em março de 2002, Paulo André voltou para o estado de São Paulo,
desta vez para atuar no Águas de Lindóia Esporte Clube. Lá, foi
campeão paulista de juniores da Série A-2 e teve sua primeira chance
como profissional, ajudando o clube a subir da quinta para a quarta
divisão estadual. Em janeiro de 2003, transferiu-se para os juniores
do Guarani Futebol Clube, onde foi promovido aos profissionais. Em
julho de 2004, sofreu com uma contusão no púbis, que o deixou afastado
por seis meses.
Em junho de 2005, Paulo André foi transferido para o Clube
Atlético Paranaense, onde foi consagrado como um dos cinco melhores
zagueiros do Brasil, pela Revista Placar. Em 2006, recebeu o título de
Melhor Zagueiro do Estado, pela Federação Paranaense de Futebol.
Aos 22 anos, em junho de 2006, o atleta firmou contrato de quatro
anos com o Le Mans Football Club, onde participou por três anos dos
campeonatos: Francês, Copa da França e Copa da Liga. Em julho de
2009, Paulo André foi apresentado como nova contratação do Sport Club
Corinthians Paulista, em um empréstimo que iria até agosto de 2010.
Mesmo atuando como reserva, o zagueiro destacou-se nas jogadas aéreas,
marcou três gols, e teve seus direitos econômicos comprados pelo time
paulista, firmando novo contrato que vai até julho de 2012.
O texto foi retirado na íntegra do site oficial do jogador
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