Nesta pesquisa você estudou o que foram os jogos panamericanos no passado aqui no Brasil...
Sim,
o Pan do Rio foi o segundo no país. Em 1963, ocorreram os Jogos
Panamericanos em São Paulo. Fui a SP, na Biblioteca Pública do Estado e
levantei dados em jornais e revistas da época (sobretudo na revista
Manchete). E foi até surpreendente ver o quanto havia um descompromisso
do Estado em relação ao evento. A organização era por conta e risco do
Comitê Olímpico Brasileiro. Os países montavam seus eventos, vendiam os
ingressos, faziam acordos de patrocínio. Se o evento daria lucro ou não
era um problema do movimento esportivo, e não um problema público, do
governo. Os gastos por isso foram mínimos, usaram todas as instalações
que já existiam em SP. O evento custou, na época, 500 milhões de
cruzeiros. Todo este dinheiro era suficiente para então adquirir apenas
34 automóveis wolkswagen do tipo fusca, zero quilômetro. Utilizando a
tabela de correção monetária do Ministério da Fazenda, corrigimos estes
valores para atualidade (junho de 2011), o Pan-1963 custou
aproximadamente R$ 25 milhões, ou seja, 6,3% do custo do Pan-2007
(também em valores atualizados). Em outras palavras, o Pan do Rio custou
150 vezes mais que a edição paulista. Portanto, comparado ao panorama
atual, um evento desta natureza custava muito pouco ao país. O fato de
utilizar instalações pré-existentes e de não assumir gastos de outras
delegações, tornava o evento bastante “barato”. O fato de, naquela
época, o evento acolher apenas um terço do total de atletas que hoje
costuma receber, não justifica uma diferença tão absurda nos custos de
sua realização. As arenas são as mesmas, o calendário também (quinze
dias de competições), mudaria apenas, basicamente, as dimensões da vila
panamericana.
E a vila olímpica?
A
USP estava construindo seu novo campus no Butantã. Então o comitê
olímpico solicitou o empréstimo do CRUSP (Conjunto Residencial da USP,
edifícios ainda não totalmente concluídos) e, mesmo obtendo cessão
gratuita do alojamento cobrava diária de todos os atletas. Ou seja, os
países pagavam diárias para colocar em quartos pequenos quatro rapazes e
em outros seis moças, utilizando camas (beliches) emprestadas pelo
Exército Brasileiro, em condições que hoje consideraríamos por demais
espartanas. A previsão era de menos moças do que rapazes. Peguei imagens
interessantes desses jovens atletas no mês de maio, junho em SP, frio,
lá naquele deserto que era a USP na época. Como se divertiam? Faziam
fogueiras, tocando violão à noite. Hoje esses mesmos jovens desfrutam de
boates e sofisticações mantidas e pagas, muitas vezes, com nosso
dinheiro. É outra situação, bem diferente. Como era caro participar da
festa naquele tempo, alguns países latinoamericanos mandaram apenas os
seus representantes burocráticos para participar da reunião da Odepa. E
teve um caso, acho que foi da Costa Rica, que mandou somente uma atleta
de natação porque apenas esta tinha potencial para ganhar uma medalha.
Causa
surpresa, aos que desconhecem a profunda transformação vivida pelo
esporte nestes quase 50 anos, saber que a decisão do ouro olímpico no
futebol transcorreu no modesto estádio Parque São Jorge, pertencente ao
S.C. Corinthians, na então pacata zona leste da cidade. Mais ainda
quando se descobre que a medalha foi disputada num emocionante confronto
entre Brasil e Argentina. Com a nova economia do esporte, que movimenta
volumosos patrocínios públicos e privados, o atleta e toda a competição
se valorizaram, não mais comportando realizações em instalações
esportivas que não atendam às crescentes exigências do COI e da Fifa.
Se
a gente for remontar a história das vilas olímpicas, a primeira é de
1932, nos Jogos de Los Angeles. Esses jogos serviram para compor o
programa de recuperação econômica dos EUA após a famosa crise de 1929.
Construir instalações (incluindo a vila olímpica, um conjunto de 700
casinhas pré-fabricadas) era uma forma de gerar emprego e ter alguma
estimativa de retorno com o evento. Durante mais de 30 anos, desde o
início dos jogos olímpicos da era moderna (em 1896) muitos atletas
vinham para os jogos com barracas de camping, feitos no verão por isso.
Era praticamente um hobby. Vinham participar por conta própria e porque
eles tinham amor ao esporte, prazer em participar desses encontros da
juventude. Conhecer pessoas de outros países que também tinham como eles
esse hobby, esse prazer de praticar algum tipo de esporte, um esporte
olímpico.
Com todo o contexto
político, de disputa inter-imperialista que vai anteceder a Segunda
Guerra Mundial, inicia-se uma ligação do Estado com os jogos. Começam
acontecer coisas como desfiles com bandeiras nacionais. Com a chegada de
Hitler, em 1936, em Berlim, essa ligação do esporte com o Estado, com a
raça, atinge níveis extremos. A partir daí, vai começar o pós-guerra
que assiste à formação do chamado Estado de Bem Estar Social, com uma
política de esporte para todos, o Welfare State na Europa Ocidental, no
Canadá, na Austrália. Sociedades com fácil acesso ao esporte. As escolas
na França tinham piscina, disciplina obrigatória para as crianças. Você
tinha bairros com centros esportivos públicos onde moradores podiam
praticar esporte, como por exemplo em Barcelona. Com essa esportivização
da sociedade pós-guerra, os jovens participavam dos jogos para
construir ou melhorar instalações para uma prática social, comunitária,
pública e gratuita do esporte.
Até
que veio os anos 1980 com essa mudança do esporte, essa onda bem
privatizante. Mas nos jogos de 1963, o que aconteceu? Quando o comitê
olímpico percebeu que os ingressos não iriam custear os jogos, pediu
socorro à prefeitura, ao estado. Em caráter de urgência, para reduzir o
prejuízo do COB, os entes governamentais doaram valores que cobriram
quase a metade do custo do evento que, como vimos, custou pouquíssimo.
Tem coisas até cômicas. Como SP tem uma comunidade japonesa muito forte e
o basebol é o esporte mais popular no Japão, o primeiro jogo de
beisebol lotou o estádio. Vinham caminhões de agricultores para ver o
jogo. E o que o comitê olímpico fez? No jogo seguinte, a organização
majorou em 100% o valor do ingresso. Pensaram: então, já que tem público
vamos aproveitar e cobrar mais porque a gente precisa de dinheiro pra
poder bancar os jogos. Observem bem: os eventos eram feitos por conta e
risco e agora você tem uma situação de uma vila olímpica luxuosa, com
instalações luxuosas. No caso do RJ o caso é gritante: nenhuma das
instalações esportivas se prestou para qualquer uso social após os
jogos. Nenhuma delas.
Inclusive a vila olímpica do Rio está com vários problemas...
Seríssimos!
Este é um capítulo à parte. Vale a pena voltar um pouquinho na história
para falarmos da vila olímpica do Rio. Em 1996, o Rio de Janeiro era
candidato aos jogos de 2004. Porque o César Maia, com essa gestão
mercadófila, colocou na cabeça que o RJ tinha que ser uma cidade
olímpica, para promover sua imagem mundialmente. Naquela ocasião o poder
municipal não tinha ainda montado esse aparato fechado, blindado ao
diálogo com a sociedade. Havia alguns canais de diálogo. E um dos pontos
do debate foi refletir sobre onde seriam as instalações esportivas.
O
movimento social propôs que a maior parte das instalações fosse na
cidade universitária, numa área de baixa renda. Era uma área imensa da
UFRJ, então em grande parte deserta (hoje ocupada em parte pela
Petrobrás). A ideia era construir uma vila olímpica que depois seria
residência social. A proposta era essa para os jogos de 2004. Quando o
Rio ganhou 5 anos depois o direito de sediar os jogos panamericanos, o
prefeito pegou esse projeto e jogou fora. A vila seria agora na Barra da
Tijuca. Onde? Justamente numa área de fronteira de expansão do capital
imobiliário da Barra. Assim como, hoje também, a futura vila olímpica
será numa área que pertence a Carvalho Hosken, uma área também de
expansão imobiliária da Barra. Vai construir uma vila para valorizar
todo o entorno.
A vila do Pan está
numa área não recomendável tecnicamente para se construir. Conversei na
época com vários engenheiros que visitaram a obra da vila e disseram:
“Olha, as fundações vão a 60 metros de profundidade, uma construção
caríssima”. São 12 prédios de 17 andares. Estive lá no ano passado, tem
uma quantidade imensa de imóveis fechados. Têm imóveis que o habite-se
não foi dado até hoje. Na semana de abertura dos jogos, dois trechos da
vila afundaram. Um engenheiro me falou que esta vila demanda um
monitoramento constante porque é não é uma área 100% segura.
Consta
que o Ronaldinho Gaúcho recebeu 11 imóveis em troca de propaganda e que
Romário também comprou vários imóveis que devem estar fechados. Tudo
bancado pela Caixa Econômica e com recursos do FAT (Fundo de Amparo ao
Trabalhador). Um desperdício, mas cumpriu-se o papel com o capital
imobiliário, pois a vila serve uma ponta de lança, um vetor de expansão
de valorização daquela área. É uma área que ia acabar sendo ocupada por
população de baixa renda. Está muito próxima da favela Rio das Pedras. É
isso, começar a demarcar espaços de elite. Ou seja, é um uso
estratégico desses jogos.
A realização do Pan ajudou na escolha do Rio para os Jogos Olímpicos?
Com certeza. Foi de longe a mais cara edição dos jogos panamericanos, em mais de meio século de história (a primeira edição foi em 1951, em Buenos Aires). A cidade demonstrou claramente sua predisposição para gastar, investir pesado em megaeventos. Como já dissemos, foi 15 vezes mais caro que os Jogos de 2003 e os jogos deste ano de 2011, no México, ficarão bem aquém da edição carioca em termos de volume de investimentos. Para além desse aspecto, há outro, decisivo. Foi feito um empenho político fortíssimo para a candidatura Rio 2016. A presença do presidente Lula sensibilizou muito o comitê olímpico. Por que o Rio é uma cidade olímpica agora? Em parte porque o Brasil vive um momento único em expressão mundial, como potência econômica emergente e teve como presidente alguém carismático e de origem sindical, ou seja, alguém que legitima no cenário externo a imagem de consolidação de nossa democracia.
Com certeza. Foi de longe a mais cara edição dos jogos panamericanos, em mais de meio século de história (a primeira edição foi em 1951, em Buenos Aires). A cidade demonstrou claramente sua predisposição para gastar, investir pesado em megaeventos. Como já dissemos, foi 15 vezes mais caro que os Jogos de 2003 e os jogos deste ano de 2011, no México, ficarão bem aquém da edição carioca em termos de volume de investimentos. Para além desse aspecto, há outro, decisivo. Foi feito um empenho político fortíssimo para a candidatura Rio 2016. A presença do presidente Lula sensibilizou muito o comitê olímpico. Por que o Rio é uma cidade olímpica agora? Em parte porque o Brasil vive um momento único em expressão mundial, como potência econômica emergente e teve como presidente alguém carismático e de origem sindical, ou seja, alguém que legitima no cenário externo a imagem de consolidação de nossa democracia.
O comitê olímpico tem
duas etapas para eleição da cidade: uma etapa mais técnica e a outra é
política. Entre Chicago, Rio, Madri e Tóquio, a escolha foi política.
Das quatro cidades, a que teve a pior avaliação técnica foi o RJ.
Tecnicamente falando o RJ era a pior cidade, mas venceu pelo conjunto de
razões que acabamos de expor.
Em Chicago teve um movimento contra, inclusive.
Em
Chicago a população disse: “Aqui não vai ser mesmo. Obama, queremos
saúde e educação!”. No caso da Espanha, Madri não condiz com a idéia de
mostrar que há um rodízio intercontinental no movimento olímpico, já que
seria logo após a edição de Londres 2012. Então, Madri tinha a melhor
proposta tecnicamente falando, mas politicamente não era interessante.
Tóquio tem a questão do fuso horário e outras questões, como a
proximidade dos jogos de Pequim e alguns protestos que também foram lá
verificados. Então, o Brasil era a bola da vez.
Até hoje Barcelona é a garota propaganda dos megaeventos. Virou uma exportadora de um modelo. O que explica Barcelona?
Tem
coisas que a mídia não conta. Primeiramente, em 1986 quando a cidade
foi definida olímpica, estava no poder o partido socialista, com um
plano diretor em ação para tentar suprir carências da periferia,
acumuladas ao longo de 40 anos de regime franquista. Era o déficit do
franquismo. O plano era bem claro: levar à periferia de Barcelona
serviços coletivos como metrô, além de habitação social digna... Era
colocar a Espanha próxima ao patamar de conquistas sociais dos
principais países europeus. O país vinha de um atraso imenso. Então, os
jogos pegam a cidade num processo político redemocratizante, e assim os
jogos se adequaram à cidade em grande parte, e não ao contrário. Você
pega o modelo de Barcelona e vê como é o metrô. Os jogos olímpicos foram
feitos de maneira descentralizada. Tinham quatro pólos diferentes,
dentro de um modelo que eles chamaram de equilíbrio espacial, e levando
metrô para todas essas áreas. Os jogos de Barcelona, de alguma forma,
foram bem sucedidos porque havia antes deles um plano diretor discutido,
e que foi, ao menos em parte, respeitado.
Outra
questão que favoreceu Barcelona é que com a criação da União Européia, a
Espanha entrou num período de crescimento econômico inédito, também.
Então, Barcelona também pegou os fluidos dessa nova Espanha em
crescimento. Outro dado que não devemos esquecer é que Barcelona
promoveu uma reforma no seu sea front muito forte, mas pouco se fala que
onde está a vila olímpica de Barcelona, havia um bairro chamado Icaria,
um bairro industrial, operário, que estava em decadência. E todo esse
patrimônio de fábricas foi colocado ao chão, alem da remoção dos
habitantes.
Estava lendo um trabalho
há pouco tempo dizendo que Barcelona fez três grandes eventos em sua
história. Uma exposição universal em 1988, outra em 1929 e os jogos de
1992. Mas as situações anteriores, ambas tiveram a intenção de mostrar
um pouco a história do país, preservar o patrimônio. Os jogos de
Barcelona de 1992, em plena época que o patrimônio é tão debatido, não
deu uma linha sequer a isso. Ou seja, foi a aniquilação pura e simples
de um bairro inteiro.
Estive lá há
pouco tempo, para ver de novo o bairro Nova Icaria. Se construiu ali um
grande shopping e essa vila olímpica de classe média alta. Nas unidades
habitacionais que estão para o mar, os aluguéis chegam a 5 mil euros.
Uma orla altamente valorizada. Mas não se fala disso, não se fala como
Barcelona varreu do mapa essas populações e o patrimônio histórico
industrial para fazer os jogos.
De
qualquer forma, há uma coisa muito positiva em Barcelona que foi
descentralizar os jogos, levar benfeitorias até a periferia da cidade,
coisa que o RJ mesmo pagando muito caro aos consultores catalães, não
fez. Fez o quê? Criou uma ilusão.. Você tem a Barra onde acontece quase
todos os jogos e lá na zona norte, numa área pobre da cidade, vão fazer
as competições de tiro e esportes radicais. Vão fazer ali um parque
temático para montain bike. Ora esse parque temático vai ficar fechado,
vai ser para turistas e privilegiados poderem ir lá, pagar para, muito
eventualmente poder praticar montain bike. Isso não é esporte popular.
Vão colocar lá na zona norte do Rio pra dizer, olha, as olimpíadas vão
até a periferia.
E hoje quem paga a conta de estádios vazios?
O
contribuinte paga tudo isso, sem direito a dialogar, participar,
questionar. Em Montreal, por exemplo, o déficit público só foi sanado 30
anos depois. Em 2006, o governo de Montreal disse: “Agora sim estamos
quites com os jogos”. Trinta anos para pagar os jogos, realizados em
1976. Tenho um colega, economista de Munique, que vem estudando a
questão do turismo há um bom tempo. Ele vem provando que a cada
megaevento, os promotores vêm superdimensionando o turismo desses
eventos. É sempre muito inferior ao impacto apresentado. Ele pegou o
caso da Eurocopa em 2008, na Suíça e na Áustria, e mostrou que nesses
países, naquele mês de julho, mês da Eurocopa, a soma dos visitantes foi
inferior aos meses de julho dos outros anos quando não tinha a
Eurocopa. Então, todos eles superestimam o turismo. Por exemplo, agora
se fala muito em reformar os aeroportos do Brasil em função da Copa do
Mundo. Quanto vai representar em termos de movimento de pessoas nos
aeroportos para a Copa do Mundo? Se estima em 0,5% de aumento de fluxo.
Meio por cento para a Copa do Mundo. Ou seja, é absolutamente
insignificante.
O caso de Portugal,
Eurocopa de 2004, merece ser citado. O país se empenhou em produzir um
belo evento, com estádios sofisticados, atendendo a todas as exigências
de conforto e segurança. Como sempre, o problema emerge depois que o
circo vai embora. Restaram estádios de elevado custo de manutenção,
alguns em cidades onde não há mercado para mantê-los funcionando. Os
estádios de Braga, Leiria, Coimbra, Aveiro e Faro, juntos, geram aos
municípios um custo de 13 milhões de euros ao ano, somando o pagamento
da dívida assumida quando da construção dos mesmos e a manutenção dessas
arenas. O caso mais aberrante é o da cidade de Faro. Imagine uma
pequena cidade de 35 mil habitantes, com um estádio para 40 mil
expectadores, e sem um time importante. O prejuízo é certo.
Qual foi o legado para a população carioca do Pan?
O
que ficou para o RJ: nada! Ou melhor, ficaram dívidas. Por exemplo,
ficou a arena multiuso feita num padrão altamente luxuoso, que passou
para uma empresa, o banco HSBC, o que alugou. O complexo aquático Maria
Lenk está entregue às moscas! Custou caríssimo, também. Na época, a
gente tava propondo que esse complexo aquático fosse, após os jogos,
utilizado pelas escolas municipais do Rio. Sabe o que foi dito pra
gente? Olha, essa piscina é muito bacana pra botar criança pobre dentro
dela. É muito bonita. Eles preferem deixar a piscina rachar fechada do
que dar a ela um uso educativo.
Eu
fui à cidade de Santo Domingo onde foram os jogos Panamericanos
anteriores ao do Rio, em 2003. Tenho imagens para mostrar o que é um
evento que, com todos os problemas, foi muito melhor do que o nosso e
gastou-se 15 vezes menos. Fui lá e vi que a quadra poliesportiva é usada
pelas crianças das escolas públicas, projetos da cidade. Como o tênis
não é um esporte muito popular, quem mantém a quadra de tênis são as
Associações de Tênis Americana e Canadense. Elas têm um contrato de
aluguel. Como lá o inverno é muito suave, passam 6 meses ocupando essas
quadras de tênis. Ou seja, custo zero para o poder público para manter a
quadra de tênis. Visitei o Estádio Olímpico, modestíssimo, e a Vila
Olímpica, também muito simples. Para uma classe média baixa.
Já
o Rio de Janeiro gastou 15 vezes mais para fazer um evento suntuoso
para dizer assim: “A gente quer mostrar que nós somos realmente um país
emergente”. E o que ficou para o Rio de Janeiro? Ficaram as instalações
sem uso. O legado como esporte escolar é realmente zero. Desta vez, após
tantas críticas que fizemos a esse descaso total com a formação de
novos atletas, resolveram construir escolas municipais nesse sentido. A
primeira delas, situada no Morro dos Prazeres, já foi batizada, e com
muito mau gosto: chama-se Juan Antonio Samaranch, homenageando um
franquista, assumido defensor de sangrentos regimes ditatoriais, para
agradar aos membros do COI. Começará a funcionar em 2012, e planeja-se
turno integral de aulas, sendo pelo menos três dedicadas aos esportes.
O
Estádio Olímpico João Havelange previa um centro de formação de
talentos que não foi feito. O estádio foi alugado para um clube de
futebol da primeira divisão que paga, se não estou equivocado, R$ 35 mil
por mês. Perto do que ele custou não é nada. No RJ todos os clubes têm
dívidas e agora a gente vai escutar o João Havelange propor que o
governo federal anistie a dívida de todos os clubes. Só pra fechar: o
Rio de Janeiro não precisava fazer um Estádio Olímpico, o Maracanã
poderia ser adaptado, mas fizeram um novo estádio. O estádio ficou
pronto a um custo em torno de R$ 380 milhões. Na mesma época a Suíça
construiu um estádio do mesmo porte, para a Eurocopa, do mesmo padrão, a
um custo equivalente ao nosso. Se a Suíça, pagando 10 ou 20 vezes mais
caro pela mão de obra operária faz um estádio ao mesmo custo do nosso,
tem alguma coisa errada aí.
Na época
se falou muito em despoluir a Baia de Guanabara e nada foi feito. Agora,
com as Olimpíadas, novamente promessas foram feitas, mas já se sabe que
a despoluição não ocorrerá. Apenas um trabalho superficial, de melhorar
alguns aspectos, para que o mundo, durante os jogos, não conheça a
vergonha ambiental que é a nossa Baía de Guanabara. E nela intervirão
tão somente por estar no caminho de quem chega na cidade de avião. É um
cartão-postal da cidade, daí cuidar da aparência. Pois, do outro lado,
na Baía de Sepetiba, zona oeste da cidade, nada de maquiagem e sim o
serviço sujo: alocação de indústria pesada, cinzenta, altamente
poluidora, com expulsão de pescadores e um novo porto para exportação
mineral, que confirma a vocação nacional de reviver, em pleno século
XXI, a velha condição de nação exportadora de matéria-prima para as
nações industrializadas.
Também ocorreu segregação das vias públicas, impedindo a circulação da população?
Sim, se criou uma faixa exclusiva para a chamada Família Olímpica. O César Maia decretou férias escolares e disse o seguinte: “Eu proponho à população que todos saiam da cidade, vão passear em suas casas de veraneio em Cabo Frio para a cidade ficar mais tranquila para os jogos”. Se criou mesmo essas faixas e o trânsito ficou realmente difícil em diversos pontos do Rio. Havia muitas promessas de expansão do metrô. Aliás, o César Maia se reelegeu facilmente em 2004, tendo o panamericano como sua principal plataforma. Em janeiro de 2005, primeiro mês de governo, numa entrevista de página inteira em jornal de grande circulação, perguntaram sobre a expansão do metrô. Ele falou: “Não vai ter!”. - Repórter: “Mas e os jogos?” César Maia: “Não precisa”. Aí finalmente ele falou a verdade. Os jogos panamericanos são eventos de dimensão menor do que o Carnaval, menor do que o Reveillon do Rio. Então não tem metrô nenhum, ao contrário do que havia sido dito durante a campanha eleitoral.
Sim, se criou uma faixa exclusiva para a chamada Família Olímpica. O César Maia decretou férias escolares e disse o seguinte: “Eu proponho à população que todos saiam da cidade, vão passear em suas casas de veraneio em Cabo Frio para a cidade ficar mais tranquila para os jogos”. Se criou mesmo essas faixas e o trânsito ficou realmente difícil em diversos pontos do Rio. Havia muitas promessas de expansão do metrô. Aliás, o César Maia se reelegeu facilmente em 2004, tendo o panamericano como sua principal plataforma. Em janeiro de 2005, primeiro mês de governo, numa entrevista de página inteira em jornal de grande circulação, perguntaram sobre a expansão do metrô. Ele falou: “Não vai ter!”. - Repórter: “Mas e os jogos?” César Maia: “Não precisa”. Aí finalmente ele falou a verdade. Os jogos panamericanos são eventos de dimensão menor do que o Carnaval, menor do que o Reveillon do Rio. Então não tem metrô nenhum, ao contrário do que havia sido dito durante a campanha eleitoral.
A cidade não
ganhou nenhum legado em termos de transporte público. E agora para a
Copa do Mundo e para as Olimpíadas vão fazer ligação do aeroporto a
Barra. Assim como na África do Sul fizeram o tal do VLT, que é muito
bonitinho, mas fizeram onde? Do aeroporto para o bairro nobre dos
hotéis. A população da África do Sul vai continuar indo pro trabalho em
vans clandestinas que é o transporte público de lá. Quem vai visitar
acha muito bonito, pega aquele VLT bacana, chega no hotel e fica achando
que o país realmente mudou com a Copa.
Visitei
Fortaleza no ano passado. Lá vi o caso mais crítico. A cidade tem uma
longa faixa ocupada por população de baixa renda que eles chamam de
“comunidades do trilho”, porque existe uma ferrovia desativada que liga o
Porto. Ao longo dessa via férrea, que é só de carga, tem um corredor de
ocupação popular desde a década de 1950. Eles moram lá há 50, 60 anos.
Ocupação irregular, no jargão oficial. A cidade de Fortaleza cresceu
muito ultimamente. Surgiram alguns prédios de classe média-alta junto
dessa área, shopping centers, e agora eles querem varrer a ocupação de
lá. São mais ou menos umas 30 mil pessoas que moram numa faixa de uns 8
km. Querem fazer o quê? Querem abrir uma avenida e essa via de
circulação que vão criar é pra ligar o nada a coisa alguma. Não tem a
menor razão de fazer essa via, mas vão criar para justificar a remoção e
assim seguir o ciclo de valorização imobiliária. Então tem uma luta
ferrenha no Ceará. Assim, se criam propostas de transporte para, quase
sempre, erradicar comunidades que estão em áreas que os moradores chamam
“área de rico” e não de risco, porque elas estão ali incomodando de
alguma forma.
O que tem de
diferente entre uma capital e outra no Brasil em relação à Copa? Em
Porto Alegre tem uma reação com os Comitês Populares da Copa. Pode-se
esperar algo nas outras capitais também?
Em
Fortaleza tem essa reação popular forte. Em Natal, fiquei surpreso.
Estive lá em dezembro último e percebi uma opinião pública contrária à
Copa, bastante difundida. A população entende que a cidade não precisa
da Copa, de que a cidade não precisa fazer um estádio. Tanto que até
hoje Natal ainda não licitou o estádio, porque na Câmara de Vereadores
há um debate intenso. É um caso meio raro no Brasil hoje. Inclusive vi
taxista falando assim: “Eu sou Lula. Mas essa coisa de fazer Copa do
Mundo é uma loucura do Lula”. Dizem assim, pra quê Copa do Mundo, né? E
aqui em Porto Alegre, estive em outubro e já vi um movimento forte.
Brasília também está começando um movimento.
No
Rio, a gente já tem um histórico do Comitê Social do Pan. O mesmo grupo
está hoje no Comitê Popular da Copa. A diferença é que no Rio fala-se
mais sobre os jogos Olímpicos do que a Copa, porque são os Jogos que
realmente vão mudar a cidade. Já estão mudando, no plano de remover 130
comunidades e dezenas de milhares de pessoas, para abrir novas vias. O
problema maior é a forma como essa remoção está sendo conduzida. A
Comissão de Direitos Humanos da ONU esteve na cidade e pude acompanhar a
visita, liderada por Raquel Rolnik, relatora para assuntos de direito à
moradia. Além de não haver qualquer negociação coletiva com as
comunidades, como reza a lei orgânica municipal, ficando tudo na base
das pressões a cada individuo, e do uso da força policial para remover, a
prefeitura simplesmente derruba as casas dos moradores que aceitaram a
remoção. Já aqueles que ali permanecem, aguardando o desfecho da
negociação, têm que suportar o quadro caótico, de viver entre escombros,
um verdadeiro cenário de guerra. Escombros que impedem até a
circulação, o ir e vir desses moradores. Escombros que abrigam lixo,
ratos e comprometem a saúde pública.
Em
suma, o poder público, que deveria zelar pela integridade e saúde,
torna-se o promotor de um quadro absurdo de desrespeito à saúde e
integridade dessa gente. Por fim, sob o argumento da agilidade na
burocracia, o governo federal propôs e o parlamento acaba de aprovar o
RDC (Regime Diferenciado de Compras) para a Copa e às Olimpíadas, que
facilita ou mesmo exclui processos licitatórios habituais. Imagino então
que teremos nos próximos dois anos um embate crescente, entre os que
reivindicam direitos e necessidades básicas da população e os gastos
absurdos com os megaeventos esportivos.
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