Narciso emite carta aberta aos professores de Educação Física
O técnico da Penapolense diz que profissionais envolvidos com futebol devem se unir pela constante evolução do esporte
Narciso dos Santos e Renato Buscariolli

Essa carta aberta é destinada aos professores de Educação Física, em especial àqueles que militam no futebol. Eu, Narciso dos Santos, através deste manuscrito, venho me posicionar frente à entrevista realizada no programa Cartão Verde, dia 25/03/14. Isso porque, vi a necessidade de esclarecer alguns pontos que não foram abordados no programa e que levaram a generalizações diversas e conclusões precipitadas.

Para confecção deste manuscrito, contei com o auxílio do meu companheiro de trabalho Renato Buscariolli, formado em Educação Física e atual preparador físico do Clube Atletico Penapolense.
A discussão gerada no embate, não é recente e parece eterna. Desde os primeiros dias de faculdade, essa temática se faz presente, seja no ambiente de ensino formal, seja no informal. Aliás, a briga entre “acadêmicos” e “ex-atletas”, não está restrita ao universo futebol: esse confronto de classes adquire tons picantes quando se trata dos profissionais envolvidos no ensino de artes marciais e lutas por exemplo. Mas, como no Brasil essas modalidades têm um apelo menor do que o futebol e poucos se dizem “entendidos” (diferente do futebol!) a polêmica não é tão grande.

Geralmente, para “regularizar” a situação de todos os envolvidos, o sistema CREF-CONFEF, cria possibilidades e subterfúgios para que todos fiquem habilitados a trabalhar: uns em virtude do estudo, outros em virtude da vivência prática e experiência de vida.
A pergunta que deu início à discussão no programa foi: “O que fazer para salvar as categorias de base?”. A pergunta de certa forma é pejorativa e generalista, pois parte do princípio que as categorias de base estão em colapso, independentemente do clube.

Narciso é tido como referência nas categorias de base em virtude do seu histórico vencedor: campeão paulista Sub-20 em 2008 quando iniciou a carreira como treinador (até então era auxiliar técnico), vice-campeão da Copa São Paulo de Futebol Junior em 2010 com o Santos (fazia 24 anos que o Santos não chegava à final do torneio) e campeão da Copa São Paulo de Futebol Junior com o Corinthians em 2012 com 100% de aproveitamento, 30 gols marcados e apenas dois gols sofridos em 8 jogos.
De forma sucinta, no início da resposta, eu, Narciso, destaquei a necessidade de se aprimorar o gesto técnico nas categorias de base, pois penso que o trabalho técnico é fundamental nas etapas de formação. Para tal, reforcei que ex-jogadores teriam maior facilidade do que acadêmicos para demonstrar e ensinar a execução do gesto motor para os jovens atletas em virtude da experiência prática.

Todavia, a frase que mais marcou a minha fala foi: “A categoria de base mudou muito porque entrou muito cara da faculdade para trabalhar”, uma generalização infeliz que atribuiu todos os problemas da base a estes profissionais, o que não é verdade.
Após o intervalo comercial, ponderei sobre a participação dos acadêmicos nas categorias de base, afirmando que há espaço para estes, mas não deixei claro em quais cargos (o farei abaixo). Na sequência, de forma implícita, divaguei sobre didática, quando destaquei a diferença entre planejamento versus execução do treino. Isso porque, já presenciei excelentes planos de treinos por parte de alguns acadêmicos cuja execução e dinâmica do trabalho deixaram a desejar.
Gostaria de deixar claro que não tem nenhuma restrição com os graduados em Educação Física que trabalham no futebol ou futsal. Pelo contrário, defendo um alto nível de qualificação técnica e formação acadêmica em cargos como auxiliar técnico, analista de desempenho, preparador físico, fisiologista, nutricionista, médico, fisioterapeuta e cargos executivos.
Em relação aos treinadores da base, penso que os responsáveis pelas categorias menores (sub-11 ao sub-15) devam ser altamente qualificados e de preferência graduados, uma vez que fatores como crescimento, desenvolvimento e maturação devem ser levados em consideração na montagem e execução do planejamento.

Minha ressalva em relação aos egressos da faculdade se restringe as categorias Sub-17 e Sub-20, as quais tive mais contato.
Em minha opinião, nestas categorias, o aspirante a treinador deveria trabalhar inicialmente como auxiliar técnico ou fazer estágios com treinadores experientes antes de assumir o cargo principal.

Para mim é fundamental a experiência prática prévia, que pode ter sido adquirida como atleta profissional, como auxiliar técnico ou através de estágios.

Acredito que apenas a graduação sem essa experiência prática concomitante, pode corroborar para uma formação deficitária nessas categorias. Eu mesmo trabalhei um ano e meio como auxiliar técnico antes de assumir o cargo de treinador do sub-20, além de ter feito estágio em três grandes equipes da Europa.
Aumentando o âmbito da discussão, eu, Renato, gostaria de destacar que independentemente do nível (base ou profissional), o futebol é feito por pessoas com diferentes histórias de vida. Se essas pessoas tiverem a humildade e a sabedoria de conviver em harmonia, respeitando e procurando aprender com aquele que está ao seu lado, independentemente da formação acadêmica ou da carreira futebolística, o futebol será o grande beneficiado.

Acredito que temos que aproximar ex-jogadores e acadêmicos pois o conhecimento de um não exclui o do outro: eles se complementam!

O grande desafio para que isso efetivamente aconteça é criar ambiente de troca, ou seja, ambiente de aprendizado no qual quem jogou terá acesso à informação específica, cursos, palestras, etc. Ao mesmo tempo, aquele que não jogou profissionalmente, além de buscar esse mesmo conhecimento específico, deverá agregar o máximo que puder da experiência prática dos ex-jogadores, principalmente no que diz respeito ao conhecimento do ambiente, gestão de pessoas e liderança.
Infelizmente, poucos clubes propiciam esse ambiente formal de troca entre os seus integrantes. Diferentemente do que acontece em outras esferas do mundo corporativo, onde as empresas valorizam, subsidiam e estimulam a busca por conhecimento específico dos seus funcionários, poucos clubes e gestores valorizam o conhecimento dos integrantes das respectivas comissões técnicas.

O principal critério utilizado para contratação e demissão dos gestores de campo são os resultados alcançados, independente de como foram atingidos (os fins justificam os meios). Para agravar ainda mais este quadro, não existe hoje no país algum pré-requisito para o exercício da função de Treinador e nem cursos sistematizados que atendam às exigências do futebol moderno.

Até onde tenho ciência, o próprio curso de treinador oferecido pela CBF não é exigido como pré-requisito em nenhum clube do futebol brasileiro. Caso essa situação venha a sofrer alterações no futuro, provavelmente todos os profissionais envolvidos com a gestão de campo tenham que buscar esse conhecimento comum, independente de ter sido atleta profissional ou ser graduado em Educação Física.
Até lá, cabe a nós, profissionais envolvidos com futebol, nos unirmos pela constante evolução do nosso esporte bretão, para que busquemos elevar o nosso nível de jogo e possamos fortalecê-lo cada vez mais. Ex-atletas e acadêmicos devem se colocar em pé de igualdade, afinal, “ninguém é tão sábio que não possa aprender e ninguém é tão ignorante que não possa ensinar”.

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