30/05/2014
09h11
Debate no Senado, Bom Senso, CBF, a necessidade de mudanças no futebol brasileiro e uma luz no fim do túnel
Mauro Cezar Pereira, blogueiro do ESPN.com.br
Fui convidado a participar de Audiência Pública na Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado. Lá estive ao lado de Sérgio Gomes Velloso, representante do Ministério do Esporte; Vilson Ribeiro de Andrade, presidente do Coritiba Football-Club, representando a CBF; e Fernando Prass, goleiro do Palmeiras e integrante do Bom Senso Futebol Clube. A audiência foi presidida pelo Senador Randolfe Rodrigues. Na pauta, calendário e futebol brasileiro e a proposta de fair play financeiro.
No debate sobre o calendário do nosso futebol, este blogueiro fez uma rápida apresentação sobre a estrutura do futebol inglês, que desde 1992 abriga a mas rica liga do planeta, a Premier Legue. Mostramos que abaixo dela existem centenas de campeonatos de futebol distribuídos por dezenas de divisões, dos times profissionais aos amadores. Todos jogam o ano inteiro, ao contrário do que ocorre no Brasil, onde milhares de atletas ficam sem emprego quando suas equipes são eliminadas dos certamente que disputam.
Lia de Paula/Agência Senado
Mostramos que um clube minúsculo como o Drosylen, lanterna da sétima divisão da Inglaterra, teve condições de manter seus atletas em atividade por toda a temporada, de agosto a maio. A ponto de jogar mas partidas (47) do que o Liverpool, vice-campeão da elite (fez 44 jogos oficiais). Explicamos que lá apenas até a quinta divisão os campeonatos são de âmbito nacional, ou seja, quanto menor o torneio, e consequentemente com menos dinheiro, menores os deslocamentos, já que as agremiações atuam em suas próprias regiões. São campeonatos disputados em "pedaços" do país.
E que no futebol brasileiro isso é sim, possível de ser executado, afinal, a estrutura administrativa para tal já existe com as federações espalhadas por 27 Estados. Também representando o Bom Senso Futebol Clube, estiveram na audiência pública Ricardo Borges Martins, diretor de estratégia e comunicação; Enrico Ambrogini, diretor de planejamento e marketing; e Pedro Daniel, consultor de conteúdo.
Lia de Paula/Agência Senado
Eles mostraram que aqui também são viáveis competições de times menores que se estendam pelo ano, mantendo clubes e seus atletas em atividade. E que a regionalização dos certames reduziria drasticamente os custos, com a substituição de viagens de avião por percursos mais curtos, de ônibus. Assim, seriam mais bem aproveitados os subsídios da CBF, que com seu estrondoso faturamento (R$ 436,5 milhões em 2013) e 14 patrocinadores, pode e deve, claro, fomentar o futebol. Seja diretamente ou por meio das federações estaduais, que por sinal elegem o presidente da confederação.
As idéias foram detalhadamente apresentadas e ficou muito claro que existe um caminho. A questão é se ele será traçado. O representante da entidade, Vilson de Andrade, argumentou que a CBF promove, organiza diversos campeonatos e torneios profissionais. De fato. Mas também foi dito que isso não basta. É pouco num cenário de seleção rica e times pobres, não apenas os da primeira divisão que eventualmente são vítimas de más administrações, mas principalmente os pequenos, sem calendário, sem jogos, sem faturamento, sem elenco.
Houve harmonia de idéias quando o representante da CBF, presidente de clube que é, argumentou sobre a necessidade da existência de regras que responsabilizem os dirigentes de clubes que eventualmente cometam equívocos administrativo-financeiros. Sem dúvidas. Questionei, então, se faria sentido mais uma vez as agremiações serem brindadas pelo governo com novos programas de perdão e renegociação de dívidas, já que outras ações do gênero ocorreram no passado e há décadas os clubes seguem encalacrados. Mesmo com o faturamento dos grandes crescendo substancialmente.O reflexo disso foi apresentado pelo pessoal do Bom Senso: 85% dos clubes ficam inativos em seus departamentos de futebol por mais de seis meses. Atletas sobrevivem em contratos curtíssimos que não duram mais do que um trimestre. Isso tudo gera uma massa de aproximadamente 12 mil (isso mesmo, 12 mil) desempregados. São cerca de 500 atletas sem trabalho para cada um dos 23 privilegiados técnica e profissionalmente que representarão o Brasil na Cola do Mundo. Assustador, não?
Fernando Prass citou o caso de uma importante agremiação do nosso futebol que está atolada em dividas e que, há 50 anos, era tema de reportagem em jornal justamente por não conseguir honras seus compromissos financeiros. Meio século! O blogueiro aqui então lembrou que o Flamengo, desde o inicio da atual administração, em menos de 17 meses, pagou em impostos R$ 162,3 milhões. Isso significa que há, sim, como os clubes pagarem dívidas, mesmo que isso traga prejuízo técnico por algum tempo. Nada mais é do que um clube vivendo um momento de austeridade, dentro e fora de campo, para colocar a casa em ordem, como ocorre no dia-a-dia das empresas e na vida o cidadão.
Vilson Andrade argumentou que não é fácil fazer isso, afirmou que na presidência do Coritiba já pagou perto de R$ 50 milhões em dividas contraídas por administrações anteriores e que a torcida ignora isso quando o time vai mal. E relatou seu drama, tendo que sair da capital paranaense com a família ante a revolta dos torcedores ante o risco de rebaixamento do time no ano passado. É verdade. Aí, creio, entra o papel da imprensa, que em qualquer análise do momento de uma equipe deve considerar o aspecto econômico, especialmente quando as dividas com o governo estão sendo quitadas.
Claro que a CBF pode e deve aumentar o rigor em seus campeonatos e copas, impedindo a participação de clubes sem as certidões negativas de débito com o governo e que não pagam em dia seus funcionários, atletas inclusive. As reivindicações do Bom Senso também passam por aí, e uma das sugestões do grupo é limitar o custo do futebol a 70% do faturamento. Que o presidente do Coritiba, representante da confederação na audiência pública e chefe da delegação brasileira na Copa, aproveite sua proximidade com os homens que detêm o poder na confederação para levar isso adiante.
Falando em CBF, quando destaquei o fato de os mesmos homens se revezarem no poder e que sequer uma candidatura de oposição foi viabilizada na última eleição da CBF, o representante da entidade alegou que trata-se de uma questão estatutária. Em suma: as coisas funcionam assim e somente uma mudança nas regras eleitorais da confederação poderia alterar tal cenário. O senador Randolfe Rodrigues perguntou a Vilson Andrade se os atuais comandantes da entidade estariam dispostos a modificar as regras que elegem os dirigentes da CBF. Fiz minha suas palavras. Espero que o atual e o futuro presidente sejam convidados a responderem pessoalmente perguntas desse teor em futuras audiências públicas na capital do País.
Ao final, presente à audiência pública, o Senador Eduardo Suplicy destacou a PEC 12 de 2012, de sua autoria com o objetivo de "limitar a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações de acordo com os interesses da sociedade". Ela chegou em 2013 à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Em seguida, o senador Randolfe Rodrigues apresentou seu projeto de lei, que "visa a definir subprincípios de eficiência no desporto profissional em nosso País, em especial no que tange à responsabilidade e à transparência financeira das entidades de prática desportiva profissional, assim como criar entidade colegiada com o objetivo de fiscalizar o cumprimento do princípio da eficiência". Opa! Temos algo concreto.
É preciso mudar. E surge uma luz no fim do túnel.
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