Em entrevista a revista Previsão, o Professor Paulo Ricardo do Canto Capela fala sobre os megaeventos esportivos e suas implicações populares.
Por Marcela Cornelli - Jornalista do Sindrepsv/SC
Faltaria espaço para tratarmos de todos os
aspectos que envolvem a realização dos megaeventos esportivos no Brasil, mas
vamos tentar levantar alguns pontos de reflexão sobre o assunto. Começando com
a Copa das Confederações em julho deste ano, a Copa do Mundo em 2014 e as
Olimpíadas em 2016 o Brasil sediará megaeventos esportivos que já estão
afetando à população brasileira, principalmente as comunidades empobrecidas.
Estima-se, nas primeiras análises, que 170 mil pessoas terão seus direitos à
moradia violados. Os números verdadeiros se saberá com o tempo e tendem a ser maiores.
Em um País com um déficit habitacional de 5.500.000 moradias e 15.000.000 de
domicílios urbanos sem condições mínimas de habitabilidade (saneamento,
infraestrutura urbana, etc.), segundo dossiê elaborado pela Articulação
Nacional dos Comitês Populares da Copa, e a precariedade e descaso que são
tratadas a saúde deveríamos ter o direito de decidir onde o dinheiro público
deveria ser aplicado e com certeza não seria nos megaeventos esportivos que em
nada beneficiarão a população e sim darão lucros às empreiteiras e aos donos do
capital.
De acordo com o dossiê, Odebrecht, Camargo
Correia, Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão, OAS, Delta e Galvão Engenharia
estão participando da construção de estádios para a Copa. Estas empresas são
provavelmente as maiores financiadoras de campanhas eleitorais milionárias no Brasil.
E o que dizer da Lei da Copa (Lei número 12.035/2009) que fere a Constituição
do País? Institui exigências como a meia-entrada de idosos e estudantes apenas
na categoria popular, o mais barato, permissão para criação das Zonas de
exclusão, com restrição ao comércio de rua e à circulação de pessoas em um raio
de dois quilômetros dos estádios, privatização e exclusividade da exploração de
símbolos da seleção brasileira e do Brasil, proibição de aulas nas redes do
ensino público e privado durante a Copa, criação de crimes especiais e sanções
civis para reserva de mercado, publicidade e propaganda, limitações à captação e transmissão de imagem
e som, responsabilidade geral do Estado por quaisquer danos e prejuízos com segurança,
levando a União a indenizar a Fifa, a criação de Juizados Especais e da
Secretaria Extraordinária de Segurança para Grandes Eventos, Decreto n. 7.536
2011. Tudo isso preocupa e fere a liberdade do nosso povo. Também o PL 728/2011
que tramita no Congresso para coibir o direito a greve durante a Copa (Leia
mais nas págs centrais).
“Os megaeventos esportivos afetarão a
população Brasileira da forma mais danosa possível, estão sendo gastos valores
exorbitantes numa parceria do Estado brasileiro e as elites nacionais com a
perspectiva de reposicionar em território nacional um programa cultural,
econômico e de esporte e lazer que não interessa ao povo brasileiro”, defende o
professor Paulo Ricardo do Canto Capela, professor do Departamento de Educação
Física da Universidade Federal de Santa Catarina.
“Os megaeventos esportivos em sua estrutura,
a qual foi aceita em sua forma integral pelo governo Lula e continua sendo
aceita de forma dócil pelos congressistas, constrói o que se convencionou
chamar de cidade de exceção que permite alterar os Planos Diretores
estabelecidos em plenárias populares, conforme estabelece o Estatuto das
Cidades. Através desse instrumento “legal” e o uso da força policial são
removidas famílias de forma desumana, ilegal e arbitrária, a pedido da Fifa e
COI (Comitê Olímpico Internacional). São ações de interesse da especulação
imobiliária, hotelaria de luxo e das grandes empreiteiras. O Estado brasileiro
está proporcionando aos grandes especuladores e as elites esportivas nacionais
o que eles sempre quiseram, e até mais do que sempre esperavam ter”, afirma o
professor.
Santa Catarina não sediará nenhum evento, mas
sua população também será afetada. Na opinião do professor Paulo Capela. “está
em curso no Estado uma série de ações e “conquista” de verbas públicas para as
construções de equipamentos de esporte e lazer, obras de ampliação da
capacidade da hotelaria de luxo; obras de infraestrutura; além de infindáveis
cursos de formação de mão de obra alienada para trabalhar, sem qualquer
questionamento crítico durante esses eventos. São ações que trarão sérias
consequências, tanto culturais quanto econômicas, além dos recursos públicos
que estão sendo empregados nessas ações
poderem ter sido direcionados para atender históricas demandas populares. São
obras e ações definidas através de acordos de gabinete, longe do bom debate
democrático e público-popular. O que o Estado de SC “conquistará” será por
conveniência das mesmas velhas e carcomidas elites empresarias, esportivas, em acordo
com as também velhas elites políticas de Santa Catarina”, analisa o professor.
Capela observa que encontram-se em fase
adiantada de aprovação duas pistas Olímpicas de atletismo (uma em Florianópolis
na UFSC e outra em Chapecó) sem qualquer estudo, debate público, ou sustentação
teórico-conceitual sobre ser ou não apropriado tais equipamentos para o
desenvolvimento esportivo dos municípios e para o estado de Santa Catarina. Também estão sendo realizados muitos cursos de formação profissional atrelados
ao “calendário dos megaeventos esportivos” que em nada modificarão as
possibilidades de esclarecimento sobre os megaeventos esportivos, a garantia de
condições dignas para atletas e técnicos do esporte de alto-rendimento e nem para
a democratização do esporte e lazer das populações de não atletas. Também não
contribuirá para a melhoria da empregabilidade dos trabalhadores no Estado.
São ações movidas apenas por interesses em
captar verbas públicas disponíveis e para crescer o empoderamento das
tradicionais elites do Estado”, afirma.
Segundo o professor, para se opor a este
modelo elitista de esporte, em Santa Catarina está se construindo uma rede de
articulação com intelectuais, artistas, movimentos sociais, sindicalistas,
atletas e universidades apoiadoras, no sentido de organizar um grande movimento
pela democratização do esporte e lazer no Estado. “Esses agentes precisam ter
voz na construção de um novo modelo de esporte e lazer, um modelo de caráter
popular. O grande empecilho para termos um sistema esportivo de qualidade
referenciado nas demandas populares aqui no Estado e no país não é falta de
dinheiro, mas sim de vontade política dos que sempre mandaram no esporte e no
Estado em nosso país”.
Paixão nacional?
Na opinião do professor, os megaeventos
esportivos não tem qualquer relação direta com a melhoria da prática esportiva
ou de vida do povo brasileiro. “São apenas negócios e uma grande ação de
neocolonização cultural e econômica de nosso país e continente, produzirão mais
do mesmo, ou seja, o desenvolvimento do sub-desenvolvimento econômico,
esportivo e cultural, e é claro, muitos ganhos econômicos para poucos. Quem
ganha são as elites empresarias, esportivas, mídia oficial e a indústria
cultural do entretenimento, e quem perde é como sempre o povo simples e
sofrido, os trabalhadores e seus filhos e todos aqueles que trabalham para a
consolidação de um projeto nacional--popular para o Brasil”, finaliza.
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