(DIÁRIO CATARINENSE, 26.III.2013 - ANO 27, N. 9853, P. 10)
Alexandre Fernandez Vaz (Professor da UFSC; Pesquisador do CNPq)
Começa um novo semestre letivo na UFSC e ruas e avenidas que contornam o campus veem surgir um costumeiro personagem: o calouro sofrendo trote. São rapazes e moças que, imundos, esmolam de carro em carro no tremendo engarrafamento, estado permanente do trânsito local. Com frequência, estão sob o olhar de algum "veterano" a fiscalizar a coleta das moedas que depois devem financiar, segundo se supõe, a bebedeira de colegas mais velhos.
A vigilância se transforma em documentação: celulares a postos, tudo deve ser registrado para logo ser divulgado em redes sociais.
Prática que remete ao mundo medieval, o trote é um rito de passagem sadomasoquista, como bem o chamou Antonio Zuin, da UFSCar. Não deixa de ser surpreendente sua prevalência no ambiente universitário, em que a reflexão deve prevalecer, mas onde parece haver um sentimento de vingança contra os corpos dos recém-chegados: eles devem sentir desconforto e dor, andar descalços, ter o rosto e as roupas sujas e arruinadas pela tinta, pagando com sua "alegre" humilhação o afeto dos que já cursam a universidade. Vingança contra outras práticas de rebaixamento que são impostas aos estudantes em sala de aula?
O trote não é exclusividade da UFSC, mas prática bárbara espalhada pelo Brasil em versões mais ou menos ferozes. Mesmo em suas formas mais "brandas" ou "politicamente corretas", mantém-se como dinâmica regressiva ao diminuir o outro a mero objeto para sabe-se lá que tipo de deleite. Correspondente à indústria do entretenimento, que sugere o gozo a partir do sofrimento próprio e alheio, o trote tem que ser criticado no contexto de uma sociedade que valoriza a dor como espetáculo. É por isso que não pode ser tolerado.
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